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Exposição com inauguração marcada para as 16horas do dia 13 de Abril de 2019. Patente até 4 de Abril de 2019.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Constância Nery - A emoção de sonhar a realidade


Constância Nery - A emoção de sonhar a realidade

Embora eu acredite que o termo “naïf”, ou a denominação “pintura naïve”, mereça primeiro uma reflexão aprofundada sobre a sua pertinência ou não, num texto breve como este entenderemos “naïf” na sua acepção primeira, isto é, a que vem do latim nativus, natural, espontâneo.
Pois Constância Nery é uma pintora espontânea e não ingênua, como a tradução da palavra naïf nos faz entender. Ela passou sua infância no campo, em contato com fazendas de café, de algodão, de arroz e com as festas e folguedos populares, razão pela qual guarda um imenso carinho e admiração pelo homem simples, rude, o camponês trabalhador que nunca perde sua dignidade. Freqüentou Universidades, vive e trabalha em grandes centros urbanos.
Há ainda uma outra razão que une Constância à pintura naïve; sua obra é resultado principalmente de sua emoção, mesmo que hoje ela domine a técnica pictórica, ela ainda conserva a espontaneidade com relação à forma e a cor que são sentidas emocionalmente e não estão à procura do real dos objetos; sua pintura nasce do coração, ela representa o que Wilhelm Uhde chamou de “os pintores do coração sagrado”. Sua pintura se baseia sempre numa invenção plástica constante, buscando na sua imaginação a justeza cromática e formal que produz um frescor particular nos seus quadros.
Para o historiador da arte, José Pierre, “o artista naïf quer mostrar a verdadeira face das coisas” e por esta razão ele recusa a arte acadêmica que artificializou demais o objeto, mas também não se pretende artista de vanguarda, ele se mantém sempre como “um primitivo de épocas futuras”, pois foi assim que a teoria da “necessidade interior” de Kandinsky, fundadora da arte moderna, nasceu também da redescoberta dos valores primitivos e originais que pertencem ao universo popular.
Constância Nery busca o poético, ela quer encontrar um mundo que está atrás do nosso mundo; ela questiona a verdadeira natureza da nossa realidade (J. L. Borges) ou mesmo as nossas estranhas realidades (Garcia Márquez). Metaforicamente como um ser transplantado (ela viveu o campo e veio viver na cidade), com gestos líricos e míticos, faz alusão as suas raízes, as suas memórias de infância e dialoga com o seu passado dentro de um universo pictórico ao mesmo tempo mágico.
Seus enquadramentos também são deliberadamente organizados para valorizar os efeitos emocionais, os personagens são centralizados, seus gestos são tradicionais e acentuam o valor da ação, mesmo quando as figuras que representam movimento são estáticas, como que fixadas, tomadas num momento, que se tornam estereótipos repetidos no mesmo ou em outros quadros. Mas a ausência de rigor na estrutura do espaço torna seu realismo original –  notemos nesta exposição, a grande diagonal do quadro Arrozal Doce, os planos de Amarrando a Cana ou ainda o uso que ela faz dos planos e das cores em Banana Ouro – quando a sua realidade é inventada.
Ela quer inscrever seu quadro na realidade tal qual ela vê, sem recorrer às formas convencionais da arte acadêmica, sem abdicar de uma rígida geometria na construção do quadro, mas não teme a frontalidade ou improvisação de uma perspectiva.
Os cabelos esvoaçantes das garotas nos folguedos infantis ou a sinuosidade dos rios e dos caminhos são pura emoção. O trabalho do artista naïf é de transformar o valor estético em sentimento, em valor ético, quer atingir o espectador pela sua emoção, a mesma emoção que tomou o artista no momento da criação da obra. 
Como artista latino-americana, Constância Nery é basicamente visceral; a emoção é o meio de que ela dispõe para fazer com que sua imaginação e sua memória a dominem, e assim, na procura da representação objetiva do objeto, ela pode transformar o real pelo sonho ou pela imaginação. 

Fernando A. F. Bini
Professor de História, de História da arte e Analista de arte - Fevereiro de 2001.

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